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sábado, 28 de agosto de 2010

LIBERDADE E INSTINTOS: NIETZSCHE

“Esse mundo é a vontade de potência – e nada além disso! E também vós próprios sois essa vontade de potência – e nada além disso!” (NIETZSCHE, Fragmento póstumo, 1885, 38 [12])
2.1 – Saber e fazer: uma diferença
Sabemos que, para Sócrates, ao sabermos o que é o bem, o faremos. Porém, Friedrich Nietzsche (1844-1900) acreditava que este foi um grande erro de Sócrates e de Platão: quantas vezes agimos em sentido contrário a uma ação considerada correta? As pessoas sabem que não devem mentir, mas mentem. Sabem que não devem “furar fila”, mas furam. Sabem que devem ser polidas, mas não o são. O que Nietzsche apontou é que há uma diferença entre saber e fazer: podemos conhecer muito bem uma obrigação e, mesmo assim, desrespeitá-la. Por que agimos assim? Parece que há algo a mais em nós do que pretendia Sócrates, parece que a razão não é o suficiente para explicar a liberdade.
Além da razão, há o corpo: nossos impulsos vitais, nossos instintos foram deixados de lado pela moral socrática. O “conheça-te a ti mesmo” de Sócrates foi um projeto falido, segundo Nietzsche, por não levar o corpo em conta, aquele que quis conhecer, não conheceu a si mesmo. Para Nietzsche, nossos impulsos são constituídos de forças que duelam em nós mesmos para prevalecerem uma às outras. Somos um conflito de forças que lutam entre si para sobreporem-se às outras.
Sócrates errou, segundo Nietzsche, ao pensar que nossas ações são o resultado de uma empresa exclusivamente espiritual, cada ação movida por nós é o resultado de forças instintivas que lutam entre si e impulsionam o corpo. E não se trata apenas do corpo do homem, mas de algo que acontece em toda a natureza: em cada célula de cada ser vivo há esta luta, nem os seres microscópicos escapam destas forças. São forças que não param de duelar em um só momento e cada uma delas procura ser a mais potente – essa é a teoria nietzschiana da vontade de potência. Por isso, o filósofo pensou que não era possível explicar nossa conduta e nossa liberdade apenas por nossa razão, como desejou Sócrates. É preciso respeitar nossa natureza instintiva: “Esse mundo é a vontade de potência – e nada além disso! E também vós próprios sois essa vontade de potência – e nada além disso!”[2]
Friedrich Nietzsche (1844-1900)
2.2 – Liberdade e impulsos: crítica da liberdade como dominação. Ou “como tornar-se o que se é”.
Para Nietzsche, somos forças que buscam vontade de potência. Imagine agora que por muitas vezes reprimimos estas forças, que agimos contra nosso próprio ser. Foi isto que aconteceu na história da humanidade, segundo o filósofo, vejamos como.
Para Nietzsche, há dois tipos de pessoas: as que são fortes como aves de rapina e as que são fracas como ovelhas. As aves de rapina também são chamadas de fortes, senhores, nobres e as ovelhas são chamadas de fracas, escravas, ressentidas. As aves de rapina têm força para realizarem aquilo que querem e, se tiverem o desejo de capturar ovelhas, elas conseguirão se impor, afinal são mais fortes. Já as ovelhas, para se defenderem, farão com que a força das aves de rapina não se manifeste, darão um “golpe de mestre”[3] e enganarão as aves de rapina com uma “fábrica de mentiras”[4]: a impotência passa a ser considerada virtude e bondade, a fraqueza passa a ser considerada mérito. As ovelhas fazem as aves de rapina acreditarem em um reino de Deus, onde seriam punidas caso efetivassem sua força.
Como há dois tipos de pessoas, há dois tipos de moral: como os fortes dizem sim a si mesmos, vêem-se como bons, como fortes, e desprezam as ovelhas, já que são seres fracos, ruins. Já as ovelhas, dizem não a um outro, consideram-no mau e desejam vingança. Isto é, as ovelhas inverteram os valores e dominaram as aves de rapina com a moral socrática e com o cristianismo. Criaram o reino de Deus para punirem e vingarem-se dos que insistirem em efetivar suas forças, usaram a moral como forma de dominar as aves de rapina.
As ovelhas dizem: “Você é uma ave de rapina, mas é livre para não usar sua força, é livre para não cometer o erro de agir de acordo com sua natureza, é livre para não ser uma ave de rapina. Caso nos devore, será punida no reino de Deus”! Isto é, pecamos, mas somos livres para expiar e pagar nossa culpa; desrespeitamos as normas, mas somos livres para pagarmos a dívida. A liberdade aparece como meio de submissão das aves de rapina às ovelhas, estas sustentam a crença de que “o forte é livre para ser fraco, e ave de rapina livre para ser ovelha”[5].
AVES DE RAPINA OVELHAS
Fortes, senhores, nobres. Fracas, escravas, ressentidas.
Como são muito fortes, dizem sim a si mesmas. Como são fracas, dizem não a um outro, a alguém que não são elas mesmas.
Consideram a si mesmos como boas e as outras como ruins. Inventaram o desprezo. Consideram a si mesmas como boas e as outras como maus. Inventaram a vingança.
Acreditaram na fábrica de mentiras (moral) das ovelhas e foram dominadas por elas. Inverteram a moral inventaram o reino de Deus para dominarem as aves de rapina.
Como os fortes acreditaram, a conseqüência para a sua liberdade foi trágica: foram dominados por quem era mais fraco que eles e dominados por uma liberdade servil, isto é, uma liberdade de se aceitar o que não se é – os fortes escolhem não exercer sua força para não serem punidos no reino de Deus. Ao invés de agirem de acordo com seus instintos, os reprimem com a razão. O caminho que Nietzsche trilha para que as aves de rapina voltem a ser livres é somente um:
“Como tornar-se o que se é”[6]
- Dizer não à moral, instrumento dos fracos para dominar os fortes;
- que a ave de rapina seja ave de rapina;
- a liberdade reside em não se deixar escravizar pela razão que os fracos impuseram aos fortes. A liberdade está nos impulsos vitais não reprimidos pela moral.
VAMOS FILOSOFAR…
1 – Sócrates pensava que para fazer o bem, bastaria sabê-lo. Nietzsche concordou com ele? Explique.

2 – Nietzsche considerava o “conheça-te a ti mesmo”, de Sócrates, um projeto que atingiu seu objetivo? Explique.

3 – Para Nietzsche, como funciona nossa natureza instintiva?

4 – Quem são e como se caracterizam os dois tipos de pessoas que houve em nossa história, segundo Nietzsche?

5 – O que fizeram as ovelhas para que as aves de rapina não exercessem sua força sobre elas?

6 – Explique a origem do desprezo e da vingança a partir do pensamento de Nietzsche.

7 – Como é a liberdade que as ovelhas oferecem às aves de rapina? Nietzsche concorda com ela? Explique.

8 – Para Nietzsche, o que as aves de rapina devem fazer para voltarem a ser livres?